domingo, 9 de outubro de 2016

DA CASA EM FRENTE...

                                                                           
                                                         

                              DA CASA EM FRENTE...
                                                                                                    

                Na rua em que morava havia um correr de sobradinhos, iguais e geminados bem defronte á minha casa.
                Preenchia minhas horas preguiçosas sentada ao terraço  no cair da tarde e entre um livro ou um trabalho manual, me divertia observando os pequenos pássaros que ainda se aventuravam de uma árvore a outra antes de se recolherem ao ninho e também às retardatárias borboletas pousando de flor em flor que coloriam meu pequeno jardim.
                A verdade é que observava também aos sobradinhos à frente de casa e ainda às crianças, ano a ano acompanhando seus desenvolver.
                Fui observadora cúmplice de muitos namoricos a partir da adolescência delas, assim como de algumas rusgas, rompimentos e quantas vezes  mesmo de longe compartilhei os sonhos que faziam as mocinhas desses sobrados, suspirarem enquanto perscrutavam os céus estrelados assim como às esquinas.
                Pouca diferença de idade entre elas, a mais nova e sapeca desde pequena até os seus vinte e poucos anos, saia de sua casa pela janela do quarto dos pais e percorrendo o telhadinho que cobria aos terraços das duas casas, entrava na visinha também pela janela a fim de tagarelar com a amiga.
                Sabe-se lá o que confidenciavam a despeito do sempre presente e alerta olhar das duas famílias que, às antigas, não davam muita trégua ou liberdade às mocinhas.
                Vi namoros nos portões, depois nos terraços e até que obtida a devida permissão, promovidos ás salas e até a algumas refeições.
                A mais velha das duas, aquela cujo terraço dava diretamente em frente ao meu, linda e prendada mocinha, sempre tinha pretendentes que a pé ou de carro, batiam à sua porta, alguns não passaram de flerte ou paquera, outros de namoricos, alguns duravam uns poucos meses e o mais longo  e bem mais tarde, uns dois anos.
                Flores sempre eram entregues e bem recebidas, mas os namoros às antigas e com constante vigilância, não fossem com intenções sérias, eram logo descartados.
                Uma tarde apareceu um rapaz de terno, o que não era de todo incomum, o incomum era a postura empertigada e o imenso nariz em figura angulosamente magra, o que me fez duvidar da continuidade desse namorico e não sem razão, pois pouco durou o namoro de mãos dadas a percorrer o quarteirão.
                Soube depois pela própria mocinha que indignada e entre risos me contou que o dito pretendente era tão religioso que tinha dois conselheiros espirituais, um padre capelão em igreja do centro da cidade e outro no Palácio do Bispo, mais próximo das praias.
                Disse-me mais a mocinha que o rapaz em questão  se confessava a ambos os padres e com eles trocava confidências e pedia diretrizes e que isso fizera bem recentemente  por ter a ela roubado um beijo não sendo rejeitado e tão indignado estava por a moça ter aceitado o beijo que gesticulava e esbravejava até que um perdido mosquito entrou-lhe pela bocarra aberta, dando-lhe um susto que acabou em surto! Quanto mais tentasse expelir o voador e sem sucesso, mais a nossa amiguinha era tomada por incontrolável acesso de riso!
                Disse-me ainda, que durou um bom tempo esse drama e comédia. Terminado estava o namoro.
                Por vezes me vejo a relembrar esse tempo e suas histórias, doces lembranças!
                Terão as mocinhas, que vi crescer, realizado seus sonhos? Estarão casadas, rodeadas de filhos e netos? Serão profissionais competentes?
                O que terá sido feito daquelas jovens que tanto coloriram minhas tardes preguiçosas?

                                                 Mariza C.C. Cezar
                                                                                                      

4 comentários:

Flávio Tallarico disse...

Fiquei feliz em acordar nesta segunda-feira deparando-me com mais uma das deliciosas crônicas de minha querida amiga Mariza. Todos nós, em nossa juventude, nos encontramos com as mais diversas situações que envolvem, desde os casarões onde moçoilas se reuniam, até casos de namoricos e amizades das quais nunca ficamos sabendo o que o destino lhes reservou. E sempre fatos ocorrem sem que tenhamos conhecimento do final, seja ele triste ou Feliz. Mais uma vez parabéns, amiga, por nos encantar com seus escritos. Um abraço.

Carlos Gama disse...

São muito boas essas lembranças.
Levam-nos à mocidade e às semelhanças.
Fazem tanto bem esses rememorares.
Trazem de volta velhos olhares, quereres.
Como ficam marcadas as nossas memórias.
A vida vivida e cheia de histórias.
Obrigado, Mariza!

Ercy Longo disse...

Que delícia de crônica, Mariza! Lembrei-me de minha infância e começo da adolescência no interior, onde ainda não havia fileiras de sobradinhos, mas de casas térreas, com portas de entrada direta da rua, talvez com os mesmos tipos de personagens que você descreve tão bem. Parabéns!

Suely Ribella disse...

Esta crônica é pra ler, reler... sonhar...
Ah, lembranças... quantas!...
Obrigada por esse presente, Mariza,
Nós, seus leitores agradecemos!